O Segredo da Verdadeira Devoção Para com a Santíssima Virgem
Prostro-me
aos pés da Santíssima Virgem, feliz de poder beijá-los, ponho tudo o que sou e
tudo o que possuo a seu serviço.
E Ela, tão bondosa, não
ficará comovida com esta homenagem?
Quanto mais me mostrar seu
escravo, quanto mais eu colocar a seu serviço meus talentos e minha vida,
quanto mais me abaixar, tanto mais alto Ela me elevará. É, portanto,
humilhando-me, que posso aspirar a reclinar-me, um dia, sobre seu peito, a
sentir seu coração perto do meu, a viver com Ela essa doce e inefável vida de
intimidade que admiramos na vida dos santos.
A
Santa Escravidão deve produzir este efeito, pois, segundo Montfort “de todas as devoções é ela que
exige de uma alma mais sacrifícios por Deus; que a despoja mais de si e de seu
amor próprio; que a conserva mais fiel à graça e nela melhor conserva a graça;
que a une mais perfeita e facilmente a Jesus Cristo”. Isto significa que é a
devoção mais generosa para com Deus, mais santificante para a alma, mais útil
ao próximo (Tratado da Verdadeira Devoção).
Houve
nestes últimos séculos uma espécie de confraria chamada “a Santa Escravidão da Mãe de
Deus”, que atribuía à Santíssima Virgem uma autoridade imediata de
soberania sobre as criaturas; entre outras insígnias, os confrades traziam no
braço pequenas algemas simbólicas, para mostrar que eram escravos de Nossa
Senhora. Compreende-se que esta
associação, apoiada sobre um erro dogmático, tenha sido repelida e proibida
pelos Romanos Pontífices.
Contentemo-nos em assinalar essa associação, que não existe, a fim de impedir os detratores da “Santa Escravidão de Jesus e Maria” se sirvam disso para afastar desta doutrina as almas simples e pouco versadas nas questões teológicas.
Não há nenhuma relação entre
este erro e a doutrina da Santa Escravidão pregada por São Luís Maria Grignion
de Montfort, doutrina que recebeu a sanção da Igreja e já foi para grande número de almas uma fonte de heroísmo e de santidade.

l. A Santa Escravidão é boa em si? Isto é, podemos nos tornar escravos de Maria?
2. Será este meio o melhor, considerado o
fim que temos a alcançar?
Em primeiro lugar, digamos
que temos o direito de nos declarar escravos de Maria. São Luís Maria Grignion
de Montfort afirma mesmo que pertencemos a Maria independentemente de nossa
vontade.
É
claro que, falando da divina Mãe de Jesus, nós a consideramos no plano divino
atual, supostas as coisas como são; não, portanto, isolada, mas com Jesus;
tendo direitos com Ele
e por causa d’Ele.
Assinalemos
ainda o seguinte princípio, admitido por todos:
“Tendo
Deus disposto com ordem todas as coisas, e tendo desde o início elevado a
criatura dotada de razão à ordem sobrenatural, tudo o que é natural se
relaciona com o sobrenatural e é dirigido para o sobrenatural”. Eis porque São Paulo afirma que somos
os senhores de todas as coisas – cf. 1 Cor 3, 22 – 1 Cor senhores dependentes
de Deus, sem dúvida, mas, enfim, verdadeiramente senhores. Assim, quando se
trata de Chefe, de Senhor, em relação a nós, cumpre ir diretamente ao
sobrenatural.
II. Maria é nossa Senhora
São conhecidas as três
razões pelas quais Santo Tomás mostra que Jesus é o chefe de todos nós
(cf. III. P. q. VIII. a. I.) Nada mais fácil do que aplicar estes
argumentos a Maria Santíssima, guardadas todas as proporções, para ver até à
evidência que Ela é, realmente, Nossa Senhora, e que, portanto, nós somos seus
escravos.
PRIMEIRA RAZÃO:
Se na economia sobrenatural
examinarmos primeiro a ordem, vemos que Maria foi idealizada e predestinada com
Jesus, antes de qualquer outra criatura. Não porque tenha, de fato, recebido a
graça dos outros, pois os anjos e muitos homens já haviam sido santificados
antes do nascimento da Virgem Santa, mas porque, na intenção de Deus, Jesus e
Maria dominam toda a ordem sobrenatural, que se sintetiza neles, como em sua
causa eficiente, sua causa exemplar, sua causa final.
SEGUNDA RAZÃO:
É a da perfeição da graça em
Maria. Em Jesus a graça foi infinita, isto é, em toda a sua plenitude, não como
homem – pois Jesus enquanto homem é finito – mas como graça.
Sem ser infinita em Maria,
foi tudo o que pode ser numa simples criatura. Maria teve, como diz Santo
Tomás, a plenitude de graça necessária para este estado
sublime, ao qual Deus a elevara, isto é: Mãe do Filho de Deus.
Assim como, para ajudar a
graça habitual de Jesus, cumpre pô-la em face do fim a atingir, pois ela deve
ser proporcionada a este fim, que é graça de união, a união
hipostática; assim, relativamente a Maria, é preciso julgar tudo pela sua
maternidade divina.
Esta prerrogativa infinita,
neste sentido, eleva a personalidade de Maria a um grau de tal forma eminente,
que o próprio Deus não poderia exaltar mais uma criatura humana.
Acha-se ela tão cheia de Deus,
princípio de toda a graça e em tais relações de união, que é impossível não a
encha de graça um semelhante contacto. Efetivamente, quando Deus se une a uma
criatura, Ele harmoniza tudo, de modo que essa criatura possa, por sua vez,
unir-se a Ele por uma operação própria. Onde, pois,
quer Deus uma união extraordinária, deve também achar-se uma disposição
sobrenatural mais excelente, que dê à união de Deus à sua criatura uma
reciprocidade tão grande quanto possível.
Eis porque em Jesus, cuja
natureza humana subsiste no próprio ser divino, a graça é, verdadeiramente,
infinita, e em Maria, cuja personalidade atinge Deus até
tornar-se sua Mãe, a graça é de uma perfeição realmente à parte, e tão perfeita
quanto pode ser uma simples criatura.
TERCEIRA RAZÃO:
Achamo-la
na influência exercida por Maria sobre nós na ordem da graça.
A vida sobrenatural nos vem d’Ela; não diretamente, mas de Cristo por Ela. Ela
espalha vida e movimento nos membros místicos do Salvador, não como a cabeça,
mas como o pescoço, que os recebe para os transmitir: – “Plenitudo gratiae fuit in
Christo, sicut Capite influente, in Maria vero, sicut in collo transfundente”,
diz São Bernadino (Termo p. 2. Concl. 61. art. 2 Cap. X).
Desta verdade cumpre
necessariamente concluir, que Maria é nossa Senhora, pois nós lhe devemos a
vida em sua origem e em suas incessantes aplicações. Perdemos a vida por Eva; ela foi restituída por Maria. Foi o Fiat da Encarnação que, verdadeira causa
moral da união hipostática, salvou o gênero humano.
III. Maria, auxiliar de
Jesus
Demais,
já o provamos em outra obra, (Porque amo Maria)
Maria é a medianeira
e distribuidora de
todas as graças. É nela e por Ela que o Espírito Santo forma os eleitos; ou,
como diz São Bernardino, “na
Encarnação ela adquiriu uma espécie de justificação sobre as missões temporais
do Espírito santo” (cf. Serm. 6 Annunt. B. M. V).
Maria está, portanto, unida a Jesus, como sua
auxiliar incomparável, dominando e vivificando, com Ele, todos os que
participam da vida sobrenatural. Ela é Rainha. Rainha com Jesus; e nós lhe
pertencemos, mesmo independentemente de nossa escolha, pois tudo quanto temos
na ordem espiritual, é d’Ela que recebemos.
E
como Maria é inseparável de Jesus, e como ambos têm as mesmas condições de
existência e vivem a mesma vida e operam conjuntamente em todas as coisas,
podemos traduzir o texto de São Paulo: “Omnia
enim vestra sunt, vos autem Christi” (cf. 1 Cor 3, 23)
dizendo: “Tudo é vosso, mas vós sois de Cristo e de Maria” – Mons. Gay. 1 c. –
São Bernardo parece não hesitar em faze-lo, quando escreve: “Para Ela, depois de Cristo,
tudo foi
feito e tudo existe” (Sermo
in Salve). Limitemos aqui nossas
reflexões.
O que vimos é o bastante
para concluirmos que, em razão da ordem, da perfeição da graça, e da influência
exercida, Maria Santíssima é Nossa Senhora. E como uma pessoa não tem direito
senão em vista de um dever correspondente segue-se que somos escravos de Maria,
como o somos de Jesus, pois o correlativo de Senhora, como o dissemos
precedentemente, é escravo.
IV. O exemplo de Jesus
Entregando-nos à Rainha do
céu, proclamando-nos seus escravos, não fazemos mais que ratificar, aprovar um
estado de coisas já existentes; em outros termos, não fazemos mais que renovar
nossas promessas do Batismo. Digamos, pois, bem alto com a própria Virgem
Santíssima: – “Ecce ancilla Domini”. “Eis aqui a escrava do Senhor”; e
acrescentemos: “eis também o escravo de Maria”.
A
resposta à pergunta, se seria a Santa Escravidão o meio de conseguir melhor o
fim que almejamos, torna-se agora fácil de responder. Diríamos simplesmente:
Sendo tal a condição natural, estabelecida pelo próprio Deus, é preciso que
nela encontremos o meio de chegar ao nosso fim. Este meio, contido em nosso título de
“escravos”, é a dependência completa e absoluta de nosso “Senhor” e de nossa “Senhora”. Mas nós
possuímos mais do que uma simples regra. Mais que uma dedução: temos o exemplo
do próprio Filho de Deus. Jesus, o grande Modelo, o
Modelo em tudo, quis depender de Maria. Quiséramos, pois cantar com Montfort:
“Não podemos fazer melhor que a Ela nos assemelhar, pois é Ela o grande Modelo
que nós devemos imitar”.
Mas examinemos mais de perto
esta consoladora verdade. Jesus, como homem, era servo e escravo de seu Pai. Para sermos servos de Deus
queremos unir-nos a Jesus-servo. E para viver mais unidos a Jesus, vamos a
Maria, colocamo-nos sob sua dependência. Não é isso praticar a união com Jesus
em toda sua perfeição? Pois que nos unimos a Ele até no próprio meio por Ele
escolhido para melhor depender de Deus… Ele não soube achar melhor meio do que
encerrar-se no seio de Maria, ser seu Filho verdadeiro, entregue a Ela,
obedecendo-lhe durante trinta dos trinta e três anos que viveu. E esta é a
melhor garantia da Santa Escravidão (cf. Gebhard. op. cit. pág. 17).
Este meio é, pois, seguro… o
mais seguro, visto ser o escolhido por Jesus. Digamos, portanto, corajosamente:
– o melhor meio de pertencermos a Jesus Cristo, nosso fim, é pertencermos sem
reserva a Maria, sua Mãe, que é o meio estabelecido por Ele.
Adiante
completaremos este assunto, mostrando que, se por um lado, podemos unir-nos em
tudo e sempre a Maria, como escravos, por outro lado, esta vida de união nos
ajuda realmente a pertencermos melhor a Jesus Cristo como escravos de amor. Por
enquanto, limitemo-nos à conclusão natural do que precede: Somos escravos de
Maria. E esta escravidão é o meio adequado de atingir o nosso fim: Deus.
O Segredo da Verdadeira Devoção
Para com a Santíssima Virgem, segundo São Luís Maria Grignion de Montfort. Pe.
Júlio Maria de Lombaerde — II Parte A Santa Escravidão, páginas 76 à 81.
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