Santa Jacinta - Pastorinha de Fátima
Ó tu que a terra passaste voando, Jacinta querida,
Numa dor intensa, Jesus amando,
Não esqueças a prece que eu te pedia.
Sê minha amiga junto do trono da Virgem Maria.
Lírio de candura, Pérola brilhante
Oh! lá no Céu onde vives triunfante,
Serafim de amor, com teu irmãozinho
Roga por mim aos pés do Senhor
J. M. J.
Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo
Depois de ter implorado a proteção dos Santíssimos Corações de Jesus e Maria, nossa Terna Mãe, de ter pedido luz e graça
aos pés do Sacrário, para não escrever nada que não seja única e
exclusivamente para a glória de Jesus e da Santíssima Virgem,
venho, apesar da minha repugnância, por não poder dizer quase
nada da Jacinta sem direta ou indiretamente falar do meu
miserável ser. Obedeço, no entanto, à vontade de V. Ex.cia Rev.ma
que, para mim, é a expressão da vontade de nosso bom Deus.
Começo, pois, este trabalho, pedindo aos Santíssimos Corações
de Jesus e Maria que se dignem abençoá-lo e servir-se deste acto
de obediência para a conversão dos pobres pecadores, pelos quais
esta alma tanto se sacrificou.
Sei que V. Ex.cia Rev.ma não espera de mim um escrito capaz,
pois conhece a minha incapacidade e insuficiência; irei, pois, contando
a V. Ex.cia Rev.ma o que me for recordando desta alma, da
qual o nosso bom Deus me fez a graça de ser a mais íntima confidente
e da qual conservo a maior saudade, estima e respeito, pela
alta ideia que tenho da sua santidade. Silêncio sobre alguns assuntos
Apesar, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, da minha boa vontade
em obedecer, peço me concedais reservar algumas coisas que,
porque também me dizem respeito, desejaria fossem lidas somente
nos limiares da eternidade. V. Ex.cia Rev.ma não estranhará que
pretenda guardar segredos e leituras para a vida eterna; pois não
tenho eu a Santíssima Virgem a dar-me o exemplo? Não nos diz o
Sagrado Evangelho que Maria guardava todas as coisas em Seu coração? E quem melhor que este Imaculado Coração nos poderia
descobrir os segredos da Divina Misericórdia? No entanto, lá os
levou guardados como em jardim cerrado, para o palácio do Divino
Rei. Recordo ainda uma máxima que me deu um venerável Sacerdote,
quando eu tinha apenas 11 anos. Foi, como tantos outros, fazer me
algumas perguntas. Entre outras, interrogou-me acerca de um
assunto do qual eu não queria falar. Depois de ter desfolhado todo o
seu reportório de interrogações, sem conseguir obter, sobre o tal
assunto, uma resposta satisfatória, compreendendo, talvez, que tocava
um assunto demasiado melindroso, o venerável Sacerdote, abençoando-me, disse:
– Faz bem, minha filhinha, porque o segredo da Filha do Rei
deve permanecer oculto no fundo do seu coração.
Não entendi, por então, a significação destas palavras, mas
compreendi que aprovava o meu procedimento e, como não as
esqueci, compreendo-as agora. Este venerável Sacerdote era então
Vigário em Torres Novas. Mal sua Rev.cia sabe quanto bem
estas breves palavras têm feito à minha alma e por elas conservo
de sua Rev.cia uma grata recordação.
Consultei, no entanto, um dia, um Santo Sacerdote, a respeito
desta reserva, porque não sabia que responder, quando me
perguntassem se a Santíssima Virgem me tinha dito mais alguma
coisa. Este Senhor, que era então Vigário do Olival, disse-nos:
– Fazeis bem, meus filhinhos, em guardar para Deus e para
vós o segredo das vossas almas; quando vos fizerem essa pergunta,
respondei: Sim, disse; mas é segredo. Se vos fizerem mais
perguntas a respeito disto, pensai no segredo que vos comunicou
essa Senhora e dizei: Nossa Senhora disse-nos que não disséssemos
a ninguém, por isso não o dizemos. Assim guardais o vosso
segredo ao abrigo do da Santíssima Virgem.
Que bem compreendi a explicação e direcção deste venerável ancião!
Estou já gastando demasiado tempo com estes prelúdios e V.
Ex.cia Rev.ma dirá que não sabe a que propósito vêm aqui.
Vou ver se dou começo à narração do que me lembro da vida da
Jacinta. Como não disponho de tempo livre, durante as horas
silenciosas de trabalho, num bocado de papel, com um lápis
escondido debaixo da costura, irei recordando e apontando o que
os Santíssimos Corações de Jesus e Maria quiserem fazer-me
recordar.
I. RETRATO DE JACINTA
Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo
Antes dos factos de 1917, exceptuando o laço de parentesco
que nos unia, nenhum outro afecto particular me fazia preferir a
companhia da Jacinta e Francisco, à de qualquer outra criança.
Pelo contrário, a sua companhia tornava-se-me, por vezes, bastante
antipática, pelo seu carácter demasiado melindroso. A menor
contenda, das que se levantam entre as crianças, quando jogam,
era bastante para a fazer ficar amuada, a um canto, a prender o
burrinho, como nós dizíamos. Para a fazer voltar a ocupar o seu
lugar na brincadeira, não bastavam as mais doces carícias que em
tais ocasiões as crianças sabem fazer. Era então preciso deixá-la
escolher o jogo e o par com quem queria jogar. Tinha, no entanto,
já então, um coração muito bem inclinado, e o bom Deus tinha-a
dotado dum carácter doce e meigo que a tornava, ao mesmo tempo,
amável e atraente.
Não sei porquê, a Jacinta, com seu irmãozinho Francisco,
tinham por mim uma predilecção especial e buscavam-me, quase
sempre, para brincar. Não gostavam da companhia das outras
crianças e pediam-me para ir com eles para junto dum poço que
tinham meus pais, no fundo do quintal. Uma vez aí, a Jacinta escolhia
os jogos em que nos íamos entreter. Os seus preferidos
eram, quase sempre, sentados sobre esse poço, que era coberto
de lajes por cima, à sombra duma oliveira e duas ameixieiras, o
jogo das pedrinhas ou do botão. Com este vi-me também, não
poucas vezes, em grandes aflições, porque, quando nos chamavam
para comer, encontrava-me sem botões na roupa. Por ordinário,
ela tinha-mos ganhado e isto era o bastante para que minha mãe
me ralhasse. Era preciso pregá-los à pressa; e como conseguir
que ela mos desse, se, além do defeitinho de amuar, tinha o de
agarrada? Queria guardá-los para o jogo seguinte, para não ter
que arrancar os dela. Só ameaçando-a de que não voltava mais a
brincar com ela é que os conseguia!
Não poucas vezes acontecia não poder satisfazer o desejo da
minha amiguinha. Como minhas irmãs mais velhas, que eram uma
tecedeira e a outra costureira, passavam os dias em casa, as
vizinhas pediam a minha mãe para deixarem os seus filhinhos no
pátio de meus pais, junto de mim, a brincar, sob a vigilância de
minhas irmãs, enquanto que elas iam para os campos trabalhar.
Minha mãe dizia sempre que sim, embora custasse a minhas irmãs
uma boa perca de tempo. Eu era então encarregada de entreter
essas crianças e ter cuidado que não caíssem num poço que havia
nesse pátio. Três grandes figueiras resguardavam, dos ardores do
sol, a essas crianças; seus ramos serviam de balouço e uma velha eira servia de sala de jantar. Quando, nesses dias, a Jacinta vinha
com seu irmãozinho a chamar-me para o nosso retiro, dizia-lhe
que não podia ir, pois minha mãe me tinha mandado estar ali. Então
os dois pequeninos resignavam-se com desgosto e tomavam parte
na brincadeira. Nas horas da sesta, minha mãe dava a seus filhos
a sua lição de doutrina, principalmente quando se aproximava a
quaresma, porque – dizia – não quero ficar envergonhada, quando
o Senhor Prior vos perguntar a doutrina, na desobriga. Então todas
aquelas crianças assistiam à nossa lição de catecismo; a Jacinta
lá estava também.
2. Delicadeza de alma
Um dia, um desses pequenos acusou outro de ter dito algumas
palavras pouco decentes. Minha mãe repreendeu-o com toda
a severidade, dizendo que aquelas coisas feias não se diziam, que
era pecado e que o Menino Jesus se desgostava e mandava para
o inferno os que faziam pecados, se não se confessavam. A
pequenina não esqueceu a lição. No primeiro dia que encontrou a
dita reunião de crianças, disse:
– Hoje tua mãe não te deixa ir?
– Não.
– Então eu vou para o meu pátio, com o Francisco.
– E por que não ficas aqui?
– Minha mãe não quer que, quando estiverem estes, aqui fiquemos.
Disse que fôssemos para o nosso pátio brincar. Não quer
que aprenda essas coisas feias que são pecados e das que o
Menino Jesus não gosta.
Depois, disse-me baixinho, ao ouvido:
– Se tua mãe te deixar, vens cá ter a minha casa?
– Sim.
– Então vai a pedir-lhe.
E tomando a mão do irmão, lá foi para sua casa.
Como já disse, um dos seus jogos escolhidos era o das prendas.
Como V. Ex.cia Rev.ma decerto sabe, quem ganha manda, ao
que perde, fazer uma coisa qualquer que lhe parecer. Ela gostava
de mandar correr atrás das borboletas até apanhar uma e levar-
-lha. Outras vezes, mandava procurar uma flor qualquer que ela
escolhia. Um dia, jogávamos isto em casa de meus pais e tocou--me a mim mandá-la a ela. Meu irmão estava sentado a escrever
junto duma mesa. Mandei-a, então, dar-lhe um abraço e um beijo,
mas ela respondeu:
– Isso, não! Manda-me outra coisa. Por que não me mandas
beijar aquele Nosso Senhor que está ali? (era um crucifixo que
havia pendurado na parede).
– Pois sim – respondi. – Sobes acima duma cadeira, trazê-lo
para aqui e, de joelhos, dás-lhe três abraços e três beijos: um pelo
Francisco, outro por mim e outro por ti.
– A Nosso Senhor dou todos quantos quiseres.
E correu a buscar o crucifixo. Beijou-o e abraçou-o com tanta
devoção, que nunca mais me esqueceu aquela acção. Depois, olha
com atenção para Nosso Senhor e pergunta:
– Por que está Nosso Senhor assim pregado numa cruz?
– Porque morreu por nós.
– Conta-me como foi.
3. Amor a Cristo Crucificado
Minha mãe costumava, ao serão, contar contos. E entre os
contos de fadas encantadas, princesas douradas, pombinhas reais,
que nos contavam meu pai e minhas irmãs mais velhas, vinha minha
mãe com a história da Paixão, de S. João Baptista, etc., etc.
Eu conhecia, pois, a Paixão de Nosso Senhor como uma história;
e como me bastava ouvir as histórias uma vez para as repetir
com todos os seus detalhes, comecei a contar aos meus
companheiros, pormenorizadamente, a história de Nosso Senhor,
como eu Ihe chamava. Quando minha irmã, ao passar por junto
de nós, se dá conta que tínhamos o crucifixo nas mãos, tira-no-
-lo e repreende-me, dizendo que não quer que toque nos santinhos.
A Jacinta levanta-se, vai junto de minha irmã e diz-lhe:
– Maria, não ralhes! Fui eu, mas não torno mais.
Minha irmã fez-lhe uma carícia e disse-nos que fôssemos a
brincar lá para fora, dizendo que em casa não deixávamos parar
nada no seu lugar.
Lá fomos contar a nossa história para cima do poço de que já
falei e que, por estar escondido detrás duns castanheiros, dum
monte de pedras e dum silvado, havíamos de escolher, alguns anos
depois, para cela dos nossos colóquios, de fervorosas orações e,
também, Ex.mo Rev.mo Senhor, para dizer-vos tudo, também de lágrimas,
por vezes bem amargas. Misturávamos as nossas lágrimas
às suas águas, para bebê-las depois, na mesma fonte onde as
derramávamos. Não seria essa cisterna a imagem de Maria, em
cujo Coração enxugávamos o nosso pranto e bebíamos a mais
pura consolação?
Mas voltando à nossa história:
Ao ouvir contar os sofrimentos de Nosso Senhor, a pequenina
enterneceu-se e chorou. Muitas vezes, depois, pedia para lha
repetir. Chorava com pena e dizia:
– Coitadinho de Nosso Senhor! Eu não hei-de fazer nunca
nenhum pecado. Não quero que Nosso Senhor sofra mais.
4. Sensibilidade
A pequenita gostava também muito de ir, à noitinha, para uma
eira que tínhamos em frente da casa, ver o lindo pôr do sol e o céu
estrelado que se Ihe seguia. Entusiasmava-se com as lindas noites
de luar. Porfiávamos a ver quem era capaz de contar as estrelas
que dizíamos serem as candeias dos Anjos. A lua era a de Nossa
Senhora e o sol a de Nosso Senhor, pelo que a Jacinta dizia, às
vezes:
– Ainda gosto mais da candeia de Nossa Senhora, que não
nos queima nem cega; e a de Nosso Senhor, sim.
Na verdade, o sol, em alguns dias de verão, faz-se sentir bem
ardente; e a pequenina, como era de compleição muito fraca, sofria
muito com o calor.
Como minha irmã era zeladora do Coração de Jesus, sempre
que havia comunhão solene de crianças, levava-me a renovar a
minha. Minha tia levou, uma vez, a sua filhinha a ver a festa. A
pequenita fixou-se nos anjos que deitavam flores. Desde esse dia, de vez em quando afastava-se de nós, quando jogávamos; colhia
uma arregaçada de flores e vinha atirar-me com elas.
– Jacinta, para que fazes isso?
– Faço como os anjinhos, deito-te flores.
Minha irmã costumava, ainda, em uma festa anual que devia
ser, talvez, a de Corpus (Christi), vestir alguns anjinhos, para irem
ao lado do pálio, na procissão, a deitar flores. Como eu era sempre
uma das designadas, uma vez, quando minha irmã me provou o
vestido, contei à Jacinta a festa que se aproximava e como eu ia a
deitar flores a Jesus. A pequenita pediu-me, então, para eu pedir a
minha irmã para a deixar ir também. Fomos as duas fazer o pedido;
minha irmã disse-nos que sim. Provou-lhe também um vestido e,
nos ensaios, disse-nos como devíamos deitar as flores ao Menino
Jesus. A Jacinta perguntou:
– E nós vêmo-Lo?
– Sim – respondeu minha irmã –, leva-O o Senhor Prior.
A Jacinta saltava de contente e perguntava continuamente se
ainda faltava muito para a festa. Chegou, por fim, o desejado dia e
a pequenita estava doida de contente. Lá nos colocaram as duas
ao lado do altar; e, na procissão, ao lado do pálio, cada uma com o
seu açafate de flores. Nos sítios marcados por minha irmã, atirava
a Jesus as minhas flores. Mas, por mais sinais que fiz à Jacinta,
não consegui que espalhasse nem uma. Olhava continuamente
para o Senhor Prior e nada mais. Quando terminou a função, minha
irmã trouxe-nos para fora da Igreja e perguntou:
– Jacinta, por que não deitaste as flores a Jesus?
– Porque não O vi.
Depois, perguntou-me:
– Então tu viste o Menino Jesus?
– Não! Mas tu não sabes que o Menino Jesus da hóstia, que
não se vê, está escondido?! É O que nós recebemos na comunhão.
– E tu, quando comungas, falas com Ele?
– Falo.
– E por que não O vês?
– Porque está escondido.
– Vou pedir a minha mãe que me deixe ir também a comungar.
– O Senhor Prior não ta dá sem teres 10 anos.
– Mas tu ainda os não tens e já comungaste!
42
– Porque sabia a doutrina toda – Porque sabia a doutrina toda e tu não a sabes.
Pediram-me, então, para os ensinar. Constituí-me, então,
catequista dos meus dois companheiros que aprendiam com um
entusiasmo único. Mas eu que, quando me interrogavam, respondia
a tudo, agora, para ensinar, poucas coisas me lembravam, o
que fez com que a Jacinta me dissesse, um dia:
– Ensina-nos mais coisas, que essas já as sabemos.
Confessei que não me lembravam sem mas perguntarem, e
acrescentei:
– Pede a tua mãe que te deixe ir à Igreja aprender.
Os dois pequenitos, que desejavam ardentemente receber a
Jesus escondido, como eles diziam, foram fazer o pedido à mãe.
Minha tia disse que sim, mas poucas vezes os deixava ir, por que,
dizia ela, a Igreja é bastante longe, vocês são muito pequeninos e,
de todos (os) modos, o Senhor Prior não vos dá a comunhão antes
dos 10 anos (8
).
A Jacinta fazia-me continuamente perguntas a respeito de
Jesus escondido e lembro-me que, um dia, perguntou-me:
– Como é que tanta gente recebe ao mesmo tempo o Menino
Jesus escondido? É um bocadito para cada um?
– Não. Não vês que são muitas hóstias e que em cada uma
está um Menino?!
Quantos disparates Ihe terei dito!
6. Jacinta, a pequena Pastora
Entretanto, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, cheguei à idade em
que minha mãe mandava os seus filhos guardar o rebanho. Minha
irmã Carolina fez os seus 13 anos (9) e era preciso começar a
trabalhar. Minha mãe entregou-me, por isso, o cuidado do nosso
rebanho. Dei a notícia aos meus companheiros e disse-lhes que
não voltava mais a brincar com eles; mas os pequenitos não se
conformavam com a separação. Foram pedir à mãe que os deixasse
ir comigo, o que lhes foi negado. Tivemos que nos conformar com
a separação. Vinham, então, quase todos os dias, à noitinha,
esperar-me ao caminho e lá íamos, então, para a eira, dar algumas corridas, à espera que Nossa Senhora e os Anjos acendessem as
suas candeias e as viessem pôr à janela para nos alumiar, como
nós dizíamos. Quando não havia luar, dizíamos que a candeia de
Nossa Senhora não tinha azeite.
Aos dois pequenitos custava a conformar com a ausência da
sua antiga companheira. Por isso, renovavam continuamente as
instâncias junto de sua mãe, para que os deixasse, também eles,
guardar o seu rebanho. Minha tia, talvez para se ver livre de tantos
pedidos, apesar de serem demasiado pequenos, entregou-lhes a
guarda das suas ovelhinhas. Radiantes de alegria, foram dar-me a
notícia e combinar como juntaríamos todos os dias os nossos rebanhos.
Cada um abriria o seu à hora que Ihe mandasse sua mãe
e o primeiro esperava pelo outro, no Barreiro (assim chamávamos
a uma pequena lagoa que estava ao fundo da serra). Uma vez
juntos, combinávamos qual a pastagem do dia e para lá íamos, tão
felizes e contentes, como se fôssemos para uma festa!
Aqui temos, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, a Jacinta na sua
nova vida de pastorinha. As ovelhinhas ganhamo-las à força de
distribuir por elas as nossas merendas. Por isso, quando chegá-
vamos à pastagem, podíamos brincar descansados, que elas não
se afastavam de nós. A Jacinta gostava muito de ouvir o eco da
voz no fundo dos vales. Por isso, um dos nossos entretenimentos
era, no cimo dos montes, sentados no penedo maior, pronunciar
nomes em alta voz. O nome que melhor ecoava era o de Maria. A
Jacinta dizia, às vezes, assim, a Ave Maria inteira, repetindo a palavra
seguinte só quando a precedente tinha acabado de ecoar.
Gostávamos também de entoar cânticos. Entre vários profanos,
que infelizmente sabíamos bastantes, a Jacinta preferia o Salve
Nobre Padroeira, Virgem Pura, Anjos, cantai comigo. Éramos, no
entanto, bastante afeiçoados ao baile e qualquer instrumento que
ouvíssemos tocar aos outros pastores era o bastante para nos pôr
a dançar. A Jacinta, apesar de ser tão pequena, tinha, para isso,
uma arte especial.
Tinham-nos recomendado que, depois da merenda, rezássemos
o Terço; mas, como todo o tempo nos parecia pouco, para
brincar, arranjamos uma boa maneira de acabar breve: passávamos
as contas, dizendo somente: Ave Maria, Ave Maria, Ave Maria!
Quando chegávamos ao fim do mistério, dizíamos, com muita
pausa, a simples palavra: Padre Nosso! E assim, em um abrir e fechar de olhos, como se costuma dizer, tínhamos o nosso Terço
rezado!
A Jacinta gostava também muito de agarrar os cordeirinhos
brancos, sentar-se com eles no colo, abraçá-los, beijá-los e, à noite,
trazê-los ao colo para casa, para que não se cansassem. Um
dia, ao voltar para casa, meteu-se no meio do rebanho.
– Jacinta – perguntei-lhe – para que vais aí, no meio das ovelhas?
– Para fazer como Nosso Senhor, que, naquele santinho que
me deram, também está assim, no meio de muitas e com uma ao
colo.
7. Primeira Aparição
Eis aqui, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, um pouco mais ou
menos, como se passaram os sete anos, que tinha a Jacinta,
quando apareceu belo e risonho, como tantos outros, o dia 13 de
Maio de 1917. Escolhemos nesse dia, por acaso, se é que nos
desígnios da Providência há acasos, para pastagem do nosso
rebanho, a propriedade pertencente a meus pais, chamada Cova
de Iria. Determinamos, como de costume, qual a pastagem do dia,
junto do Barreiro de que já falei a V. Ex.cia Rev.ma e tivemos, por
isso, que atravessar a charneca, o que nos tornou o caminho
dobradamente longe. Tivemos, por isso, que ir devagar, para que
as ovelhinhas fossem pastando pelo caminho; e assim chegamos
cerca do meio-dia.
Não me detenho agora a contar o que se passou nesse dia,
porque V. Ex.cia Rev.ma já sabe tudo e seria perder tempo, como
perdê-lo me parece, a não ser por estar a obedecer, todo o que
levo a escrever isto, pois não vejo que utilidade V. Ex.cia Rev.ma
possa tirar daqui, a não ser o conhecimento da inocência da vida
desta alma.
Antes de começar a contar-vos, Ex.mo e Rev.mo Senhor, o que
me lembro do novo período da vida da Jacinta, tenho que dizer
que há algumas coisas, nas manifestações de Nossa Senhora,
que nós tínhamos combinado nunca dizer a ninguém e talvez agora
me veja obrigada a dizer alguma coisa disso, para dizer onde a
Jacinta foi beber tanto amor a Jesus, ao sofrimento e aos pecadores, pela salvação dos quais tanto se sacrificou. V. Ex.cia Rev.ma não
ignora como foi ela que, não podendo conter em si tanto gozo,
quebrou o nosso contrato de não dizer nada a ninguém. Quando,
nessa mesma tarde, absorvidos pela surpresa, permanecíamos
pensativos, a Jacinta, de vez em quando exclamava com entusiasmo:
– Ai! que Senhora tão bonita!
– Estou mesmo a ver – dizia-lhe eu. – Ainda vais dizer a alguém.
– Não digo, não! – respondia. – Está descansada.
No dia seguinte, quando seu irmão correu a dar-me a notícia
de que ela o tinha dito, à noite, em casa, a Jacinta escutou a acusação
sem dizer nada.
– Vês? Eu bem me parecia! – disse-lhe eu.
– Eu tinha cá dentro uma coisa que não me deixava estar calada
– respondeu, com as lágrimas nos olhos.
– Agora não chores; e não digas mais nada a ninguém do que
essa Senhora nos disse.
– Eu já disse!
– O que disseste?!
– Disse que essa Senhora prometeu levar-nos para o Céu!
– E logo foste dizer isso!
– Perdoa-me; eu não digo mais nada a ninguém!
Quando, nesse dia, chegamos à pastagem, a Jacinta sentou-
-se pensativa, em uma pedra.
– Jacinta! Anda brincar!
– Hoje não quero brincar.
– Por que não queres brincar?
– Porque estou a pensar. Aquela Senhora disse-nos para
rezarmos o Terço e fazermos sacrifícios pela conversão dos
pecadores. Agora, quando rezarmos o Terço, temos que rezar a
Ave Maria e o Padre Nosso inteiro. E os sacrifícios como os
havemos de fazer?
O Francisco discorreu em breve um bom sacrifício:
– Demos a nossa merenda às ovelhas e fazemos o sacrifício
de não merendar!
Em poucos minutos, estava todo o nosso farnel distribuído pelo
rebanho. E assim passamos um dia de jejum, que nem o do mais
austero cartuxo! A Jacinta continuava sentada na sua pedra, com
ar de pensativa e perguntou:
– Aquela Senhora disse também que iam muitas almas para o
inferno. E o que é o inferno?
– É uma cova de bichos e uma fogueira muito grande (assim
mo explicava minha mãe) e vai para lá quem faz pecados e não se
confessa e fica lá sempre a arder.
– E nunca mais de lá sai?
– Não.
– E depois de muitos, muitos anos?!
– Não; o inferno nunca acaba. E o Céu também não. Quem vai
para o Céu nunca mais de lá sai. E quem vai para o inferno também
não. Não vês que são eternos, que nunca acabam?
Fizemos, então, pela primeira vez, a meditação do inferno e
da eternidade. O que mais impressionou a Jacinta foi a eternidade.
Mesmo brincando, de vez em quando, perguntava:
– Mas, olha. Então, depois de muitos, muitos anos, o inferno
ainda não acaba?
Outras vezes:
– E aquela gente que lá está a arder não morre? E não se faz
em cinza? E se a gente rezar muito por os pecadores, Nosso Senhor
livra-os de lá? E com os sacrifícios também? Coitadinhos!
Havemos de rezar e fazer muitos sacrifícios por eles!
Depois, acrescentava:
– Que boa é aquela Senhora! Já nos prometeu levar para o
Céu!
9. Amor aos pecadores
A Jacinta tomou tanto a peito os sacrifícios pela conversão
dos pecadores, que não deixava escapar ocasião alguma. Havia
umas crianças, filhos de duas famílias da Moita (10), que andavam
pelas portas a pedir. Encontramo-las, um dia, quando íamos com o
nosso rebanho. A Jacinta, ao vê-los, disse-nos:
– Damos a nossa merenda àqueles pobrezinhos, pela conversão
dos pecadores?
E correu a levar-lha. Pela tarde, disse-me que tinha fome. Havia
ali algumas azinheiras e carvalhos. A bolota estava ainda bastante
verde, no entanto disse-lhe que podíamos comer dela. O Francisco
subiu a uma azinheira para encher os bolsos, mas a Jacinta
lembrou-se que podíamos comer da dos carvalhos, para fazer o
sacrifício de comer a amarga. E lá saboreamos, aquela tarde, aquele
delicioso manjar! A Jacinta tomou este por um dos seus sacrifícios
habituais. Colhia as bolotas dos carvalhos ou a azeitona das
oliveiras.
Disse-lhe um dia:
– Jacinta, não comas isso, que amarga muito.
– Pois é por amargar que o como, para converter os pecadores.
Não foram só estes os nossos jejuns. Combinamos, sempre
que encontrássemos os tais pobrezinhos, dar-lhes a nossa merenda;
e as pobres crianças, contentes com a nossa esmola, procuravam
encontrar-nos e esperavam-nos pelo caminho. Logo que
os víamos, a Jacinta corria e levar-lhes todo o nosso sustento desse
dia, com tanta satisfação, como se não Ihe fizesse falta. Era,
então, o nosso sustento, nesses dias: pinhões, raízes de campainhas
(é uma florzinha amarela que tem na raiz uma bolinha do
tamanho duma azeitona), amoras, cogumelos e umas coisas que
colhíamos na raiz dos pinheiros, que não me lembro agora como
se chamam; ou fruta, se a havia perto, em alguma propriedade
pertencente a nossos pais.
A Jacinta parecia insaciável na prática do sacrifício. Um dia,
um vizinho ofereceu a minha mãe uma boa pastagem para o nosso
rebanho; mas era bastante longe e estávamos no pino do Verão.
Minha mãe aceitou o oferecimento feito com tanta generosidade e
mandou-me para lá. Como havia perto uma lagoa, onde o rebanho
podia ir beber, disse-me que era melhor passarmos lá a sesta, à
sombra das árvores. Pelo caminho, encontramos os nossos
queridos pobrezinhos e a Jacinta correu a levar-lhes a esmola. O
dia estava lindo, mas o sol era ardente; e naquela pregueira (11)
árida e seca, parecia querer abrasar tudo. A sede fazia-se sentir e não havia pinga d’água para beber! A princípio, oferecíamos o
sacrifício com generosidade, pela conversão dos pecadores; mas,
passada a hora do meio-dia, não se resistia.
Propus, então, aos meus companheiros, ir a um lugar, que
ficava cerca, pedir uma pouca de água. Aceitaram a proposta e lá
fui bater à porta duma velhinha que, ao dar-me uma infusa com
água, me deu também um bocadinho de pão que aceitei com reconhecimento
e corri a distribuir com os meus companheiros. Em
seguida, dei a infusa ao Francisco e disse-lhe que bebesse.
– Não quero beber – respondeu.
– Por quê?
– Quero sofrer pela conversão dos pecadores.
– Bebe tu, Jacinta!
–Também quero oferecer o sacrifício pelos pecadores!
Deitei, então, a água em a cova duma pedra, para que a bebessem
as ovelhas e fui levar a infusa à sua dona. O calor tornava-
-se cada vez mais intenso. As cigarras e os grilos juntavam o seu
cantar ao das rãs da lagoa vizinha e faziam uma grita insuportável.
A Jacinta, debilitada pela fraqueza e pela sede, disse-me, com
aquela simplicidade que Ihe era habitual:
– Diz aos grilos e às rãs que se calem! Dói-me tanto a minha
cabeça!
Então, o Francisco perguntou-lhe:
– Não queres sofrer isto pelos pecadores?!
A pobre criança, apertando a cabeça entre as mãozinhas, respondeu:
– Sim, quero. Deixa-as cantar.
Entretanto, a notícia do acontecimento tinha-se espalhado.
Minha mãe começava a afligir-se e queria, a todo o custo, que eu
me desdissesse. Um dia, antes que saísse com o rebanho, quis
obrigar-me a confessar que tinha mentido. Não poupou, para isso,
carinhos, ameaças, nem mesmo o cabo da vassoura. Não conseguindo
obter outra resposta que um mudo silêncio ou a
confirmação do que já tinha dito, mandou-me abrir o rebanho,
dizendo que pensasse bem, durante o dia; que, se nunca tinha
consentido uma mentira nos seus filhos, muito menos consentia agora uma daquela espécie; que, à noite, me obrigaria a ir junto
daquelas pessoas a quem tinha enganado, confessar que tinha
mentido e pedir perdão.
Lá fui com as minhas ovelhinhas; e nesse dia já os meus
companheiros me esperavam. Ao verem-me a chorar, correram a
perguntar-me a causa.
Contei-lhes o que se tinha passado e
acrescentei:
– Agora, digam-me como vou fazer?! Minha mãe quer, a todo
o custo, que diga que menti; e como vou a dizê-lo?
Então o Francisco diz para a Jacinta:
– Vês? Tu é que tens a culpa! Para que o foste a dizer?
A pobre criança, chorando, põe-se de joelhos, com as mãos
postas, a pedir-nos perdão:
– Fiz mal – dizia, chorando – mas eu nunca mais digo nada a
ninguém!
Agora, perguntará V. Ex.cia: Quem Ihe ensinou a fazer esse
acto de humildade?!
– Não sei. Talvez por ver seus irmãozinhos pedir perdão a
seus pais, na véspera de comungar; ou porque a Jacinta foi, segundo
me parece, aquela a quem a Santíssima Virgem comunicou
maior abundância de graça, conhecimento de Deus e da virtude. Quando, algum tempo depois, o Senhor Prior (12) nos mandou
chamar, para nos interrogar, a Jacinta baixou a cabeça e a
custo sua Rev.cia conseguiu obter dela apenas duas ou três palavras.
Quando viemos embora, perguntei-lhe:
– Por que não querias responder ao Senhor Prior?
– Porque prometi não dizer mais nada a ninguém!
Um dia perguntou:
– Por que não podemos dizer que aquela Senhora nos disse
para fazermos sacrifícios pelos pecadores?
– Para que não nos perguntem que sacrifícios fazemos.
Minha mãe afligia-se cada vez mais com o progresso dos acontecimentos.
Empregou, por isso, mais um esforço para me obrigar
a confessar que tinha mentido. Um dia, pela manhã, chama-me e
diz que me vai levar a casa do Senhor Prior:
– Quando lá chegares, pões-te de joelhos, dizes-lhe que mentiste
e pedes-lhe perdão.
Ao passar por casa de minha tia, minha mãe entrou uns minutos.
Aproveitei a ocasião para contar à Jacinta o que se passava.
Ao ver-me aflita, deixou cair algumas lágrimas e disse-me:
– Vou-me já levantar e vou chamar o Francisco. Vamos para o
teu poço rezar. Quando voltares, vai lá ter.
À volta, corri ao poço e lá estavam os dois, de joelhos, a rezar.
Logo que me viram, a Jacinta correu a abraçar(-me) e a perguntar
como tinha feito. Contei-lhes. Depois, disse-me:
– Vês?! Não devemos ter medo de nada! Aquela Senhora ajuda-nos
sempre. É tão nossa amiga!
Desde que Nossa Senhora nos ensinou a oferecer a Jesus os
nossos sacrifícios, sempre que combinávamos fazer algum ou que
tínhamos alguma prova a sofrer, a Jacinta perguntava:
– Já disseste a Jesus que é por Seu amor?
Se Ihe dizia que não...
– Então digo-Lho eu.
E punha as mãozinhas, levantava os olhos ao Céu e dizia:
– Ó Jesus, é por Vosso amor e pela conversão dos pecadores.
11. Na cadeia de Ourém
Quando, passado algum tempo, estivemos presos, a Jacinta,
o que mais Ihe custava era o abandono dos pais; e dizia, com as
lágrimas a correrem-lhe pelas faces:
– Nem os teus pais nem os meus nos vieram ver. Não se importaram
mais de nós!
– Não chores – Ihe disse o Francisco. – Oferecemos a Jesus,
pelos pecadores.
E levantando os olhos e mãozinhas ao Céu, fez ele o oferecimento:
– Ó meu Jesus, é por Vosso amor e pela conversão dos pecadores.
A Jacinta acrescentou:
– É também pelo Santo Padre e em reparação dos pecados
cometidos contra o Imaculado Coração de Maria.
Quando, depois de nos terem separado, voltaram a juntar-nos
em uma sala da cadeia, dizendo que dentro em pouco nos vinham
buscar para nos fritar, a Jacinta afastou-se para junto duma janela
que dava para a feira do gado. Julguei, a princípio, que se estaria a
distrair com as vistas; mas não tardei a reconhecer que chorava.
Fui buscá-la para junto de mim e perguntei-Ihe por que chorava:
– Porque – respondeu – vamos morrer sem tornar a ver nem
os nossos pais, nem as nossas mães!
E com as lágrimas as correr-lhe pelas faces:
– Eu queria sequer, ver a minha mãe!
– Então tu não queres oferecer este sacrifício pela conversão
dos pecadores?
– Quero, quero.
E com as lágrimas a banhar-lhe as faces, as mãos e os olhos
levantados ao Céu, faz o oferecimento:
– Ó meu Jesus, é por Vosso amor, pela conversão dos pecadores,
pelo Santo Padre e em reparação dos pecados cometidos
contra o Imaculado Coração de Maria.
Os presos que presenciaram esta cena quiseram consolar-
-nos:
– Mas vocês – diziam eles – digam ao Senhor Administrador
lá esse segredo. Que Ihes importa que essa Senhora não queira?
– Isso não! – respondeu a Jacinta com vivacidade. – Antes
quero morrer.
12. Terço na prisão
Determinamos, então, rezar o nosso Terço. A Jacinta tira uma
medalha que tinha ao pescoço, pede a um preso que Ihe pendure
em um prego que havia na parede e, de joelhos diante dessa medalha,
começamos a rezar. Os presos rezaram connosco, se é que
sabiam rezar; pelo menos estiveram de joelhos. Terminado o Terço, a Jacinta voltou para junto da janela a chorar.
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– Jacinta, então tu não queres oferecer este sacrifício a Nosso
Senhor? – Ihe perguntei.
– Quero; mas lembro-me de minha mãe e choro sem querer.
Então, como a Santíssima Virgem nos tinha dito que oferecêssemos
também as nossas orações e sacrifícios para reparar os
pecados cometidos contra o Imaculado Coração de Maria, quisemos
combinar a oferecer cada um pela sua intenção. Oferecia um pelos
pecadores, outro pelo Santo Padre e outro em reparação pelos
pecados contra o Imaculado Coração de Maria. Feita a combinação,
disse à Jacinta que escolhesse qual a intenção por que queria
oferecer.
– Eu ofereço por todas, porque gosto muito de todas.
1. Orações e sacrifícios no Cabeço
Minha tia, cansada de ter que mandar continuamente buscar
os seus filhinhos, para satisfazer o desejo de pessoas que pediam
para Ihes falar, mandou pastorear o seu rebanho o seu filhinho
João. À Jacinta custou muito esta ordem, por dois motivos: por
ter que falar a toda a gente que a procurava e, como ela dizia, por
não poder andar todo o dia junto de mim. Teve, no entanto, que
resignar-se. E para se ocultar das pessoas que a buscavam, ia
esconder-se, com seu irmãozinho, na caverna dum rochedo que fica na encosta dum monte que está em frente do nosso lugar
e que tem no cimo um moinho de vento. O rochedo fica na encosta
do lado do nascente; e é tão bem feita a loca, que os resguardava
perfeitamente da chuva e dos ardores do sol. Além disso, fica encoberta
por numerosas oliveiras e carvalhos. Quantas orações e
sacrifícios ela aí ofereceu ao nosso bom Deus!
Na encosta desse monte havia muitas e variadas flores. Entre
elas, havia inúmeros lírios, de que ela gostava muito. E sempre
que à noite me ia esperar ao caminho, me trazia um lírio ou, na
falta deste, uma outra flor qualquer. E era para ela uma festa chegar
junto de mim, desfolhá-la e atirar-me com as pétalas.
Minha mãe contentou-se, por então, a marcar-me as pastagens,
para saber onde andava, quando fosse preciso mandar-me
chamar. Quando estas eram perto, avisava os meus companheiros
que logo lá iam ter. A Jacinta corria até chegar perto de mim.
Depois, cansada, sentava-se e chamava por mim; e não se calava
enquanto não Ihe respondia e corria ao seu encontro.
2. O incomodo dos interrogatórios
Minha mãe, cansada de ver minha irmã perder tempo para ir
continuamente chamar-me e ficar no meu lugar com o rebanho,
resolveu vendê-lo; e, de acordo com minha tia, mandarem-nos à escola. A Jacinta gostava de, durante o recreio, ir visitar o Santíssimo;
mas, dizia ela:
– Parece que adivinham. Logo que a gente entra na Igreja, é
tanta gente a fazer-nos perguntas! Eu gostava de estar muito tempo
sozinha, a falar com Jesus escondido; mas nunca nos deixam!
Na verdade, aquela gentinha simples das aldeias não nos
deixava. Contavam, com toda a simplicidade, todas as suas necessidades
e aflições. A Jacinta mostrava pena, em especial quando
se tratava dalgum pecador. E, então, dizia:
– Temos que rezar e oferecer sacrifícios a Nosso Senhor, para
que o converta e não vá para o inferno, coitadinho!
Vem agora aqui a propósito contar uma passagem que mostra
quanto a Jacinta procurava fugir às pessoas que a procuravam.
Íamos um dia (18) a caminho de Fátima, quando, já perto da estrada,
vemos que descem dum automóvel um grupo de senhoras e alguns
cavalheiros. Não duvidamos um momento que nos procuravam.
Fugir, já não podíamos, sem ser notadas. Vamos para diante, na
esperança de passar sem ser conhecidas. Ao chegarem junto de
nós, as senhoras perguntam se conhecemos os pastorinhos a quem
apareceu Nossa Senhora. Respondemos que sim. Se sabíamos
onde moravam. Demos-lhes todas as indicações precisas para ir
lá ter e corremos a ocultar-nos nuns campos em um silvado. A
Jacinta, contente com o bom resultado da experiência, dizia:
– Havemos de fazer assim sempre que não nos conheçam.
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