O Rosário de Nossa Senhora



INGRUENTIUM MALORUM
DO SUMO PONTÍFICE
PAPA PIO XII

SOBRE A RECITAÇÃO DO ROSÁRIO 


INTRODUÇÃO
1. Nunca, desde que, por desígnio da divina Providência, fomos elevados à suprema cátedra de Pedro, à vista das ameaças do mal, deixamos de contar ao seguro patrocínio da Mãe de Deus a sorte da família humana, tendo publicado, como bem sabeis, por mais de uma vez, cartas de exortação a este propósito. É patente, veneráveis irmãos, com quanto empenho, entusiasmo e união de almas, o povo cristão tenha correspondido às nossas exortações por toda a parte. Assim o têm esplendidamente mostrado, repetidas vezes, os grandiosos espetáculos de fé e de amor para com a augusta Rainha do Céu, principalmente aquela manifestação de alegria universal que nos foi dado, por assim dizer, contemplar com os nossos olhos, quando, no ano passado, circundados de inúmera multidão, proclamamos solenemente, da Praça de São Pedro, a assunção da virgem Maria em corpo e alma ao Céu.
2. Se é grato pensar nestas coisas, que nos consolam pela firme esperança da misericórdia divina, não faltam, contudo, em verdade, no presente, motivos de grave tristeza que preocupam e angustiam nosso ânimo paterno.


Os males do nosso tempo
3. Veneráveis irmãos, bem sabeis como são calamitosos os tempos que atravessamos. A concórdia fraterna das nações, há tanto tempo despedaçada, não a vemos ainda restabelecida em toda parte; pelo contrário, a cada passo, os ânimos se agitam mais com ódios e rivalidades, e sobre os povos pairam ainda ameaças de guerras cruentas. Acresce a desapiedada tempestade de perseguições que, em não poucas regiões do globo, atormentam, já há muito, acirradamente, a Igreja, privada de sua liberdade e acabrunhada por angústias e calúnias de todo o gênero, fazendo até correr, por vezes, sangue de mártires. A quantas e quão grandes insídias não vemos, nesses países, expostas as almas de nossos filhos, para fazê-los abjurar da fé de seus maiores, e separá-los, para desventura deles, da união com esta Sé Apostólica! E, finalmente, não podemos deixar, de maneira nenhuma, em silêncio o novo crime que se está a cometer, para o qual, com profunda dor, chamamos não só a vossa atenção, mas a de todo o clero, a de todos os pais e mães de família, e dos próprios governantes. Referimo-nos à iníqua campanha desencadeada, em toda a parte, pelos ímpios, contra a cândida inocência das criancinhas. Infelizmente, nem sequer a idade inocente foi poupada, pois não tem faltado quem temerariamente ouse cortar as flores que ornam os místicos jardins da Igreja, destruindo as mais belas esperanças da religião e da sociedade. Quem pensar bem nisso, não pode já maravilhar-se de que os povos gemam sob o açoite dos flagelos divinos e vivam sob o pesadelo de maiores calamidades.

Confiança na Mãe de Deus e dos homens
4. Mas, ao ponderardes a situação tão sobrecarregada de graves perigos, não deveis, veneráveis irmãos, deixar vos abater pelo desânimo, mas lembrados daquela palavra divina: "Pedi e dar-vos-á, buscai e encontrareis, batei e abrir-vos-á" (Lc 11, 9), com fé mais firme voltai-vos para a virgem Mãe de Deus, sob cujo manto encontrou sempre refúgio o povo cristão nas horas de perigo, pois que ela "foi constituída causa de salvação para todo o gênero humano" (S. Ireneu, Advers. haer., III, 22; PG, VII, 959.).

Devoção ao Rosário
5. Não é, pois, sem alegre expectativa e reavivada esperança, que vemos aproximar-se mais um mês de outubro, no qual os fiéis costumam acorrer com maior freqüência às igrejas para invocarem Maria por meio da devoção do santíssimo Rosário. Essa devoção, veneráveis irmãos, desejamos se faça este ano com o maior fervor de alma, como exigido pelas necessidades do mundo. É que bem sabemos quão grande eficácia e força tem a reza do terço para impetrar o materno auxílio da Virgem santíssima. Porque, embora não seja o único modo de orar capaz de nos atrair esse auxílio, contudo, cremos que o terço de nossa Senhora é meio ótimo e frutuosíssimo, como aliás no-lo indica veemente a sua origem mais celeste que humana, e a própria razão de ser.
6. Pois que há aí de mais apto e de mais belo que as flores de que se entretece esta grinalda mística – a oração dominical e a saudação angélica? E como às repetidas preces vocais ajunta a contemplação dos sagrados mistérios, resulta também, por modo extraordinariamente salutar, que todos, mesmo os rudes e iletrados, têm nele modo expedito e fácil de conservar e aumentar a fé. E realmente, com a meditação freqüente dos mistérios sagrados, a alma, insensivelmente, vai pouco a pouco haurindo e embebendo-se da força que eles encerram, inflamando-se maravilhosamente na esperança dos bens imortais, levada forte e suavemente a seguir os vestígios do próprio Cristo e de sua Mãe santíssima. E a recitação tão repetida das mesmas fórmulas, longe de ter algo de estéril ou de enfadonho, possui, pelo contrário, admirável virtude – como se pode experimentar – para incutir, nos que rezam, a confiança de serem ouvidos, e para exercer, sobre o maternal coração de Maria, uma espécie de suave violência!
7. Portanto, veneráveis irmãos, cuidai com o máximo empenho que os féis, aproveitando a oportunidade do mês próximo, cumpram esse dever tão frutuoso com a maior diligência possível, e que entre eles esta devoção obtenha cada dia maior divulgação e apreço. Que pela vossa ação o povo cristão compreenda a fundo a dignidade, a força e o valor do terço.

O terço em família
8. Mas é sobretudo dentro das paredes do lar que temos o desejo de ver reflorir por toda a parte o hábito assíduo da reza do terço, e seja religiosamente guardado e revigorizado com novo fervor. É que será vão o esforço de remediar a situação decadente da sociedade civil se a família, princípio e base de toda a sociedade humana, não se ajustar diligentemente à lei do evangelho. E nós afirmamos que, para desempenho cabal desse árduo dever, é sobremaneira conveniente o costume da reza do terço em família. Quão suave e profundamente agradável a Deus é o espetáculo do lar cristão que, ao cair de cada noite, ressoa com as harmonias dos reiterados louvores da augusta Rainha do Céu! Então essa prece comum reúne pais e filhos, de volta do trabalho do dia, em admirável união de almas, aos pés da imagem de Maria; depois une piedosamente com os ausentes, com os já falecidos; a todos, enfim, com suavíssimo vínculo de amor, liga mais estreitamente a virgem Maria, que, como mãe amantíssima, rodeada da coroa dos seus filhos, ali estará presente a infundir com profusão os dons da união e da paz doméstica. Então o lar da família cristã, ajustado ao modelo da família de Nazaré, tornar-se-á mansão de santidade na terra e quase templo sagrado, em que a reza do Rosário de Maria não será apenas particular forma e modo de oração a subir cada dia ao céu em cheiro de suavidade, mas eficacíssima escola de disciplina e virtude cristã. Efetivamente, os admiráveis mistérios da redenção, propostos à contemplação, hão de fazer que os mais idosos, tendo ante os olhos os exemplos luminosos de Jesus e de Maria, se habituem a passá-los, dia a dia, à prática da vida, deles possam haurir conforto nas angústias e adversidades e, por eles movidos, frutuosamente se lembrem dos tesouros dos bens celestes "aos quais não chega o ladrão, nem rói a traça" (Lc 12, 33). E farão que nas mentes das crianças se vão penetrando as principais verdades da fé cristã, de tal maneira que floresça quase espontaneamente nos seus corações inocentes o amor ao Redentor benigníssimo, ao mesmo tempo que logo desde a tenra idade, sob a luz do exemplo dos pais que reverentemente ajoelham ante a majestade de Deus, aprendem a conhecer o valor da oração feita em comum.

O Rosário, força da Igreja e aurora de melhores dias
9. De novo, pois, e categoricamente, não hesitamos em afirmar em público que depositamos grande esperança no Rosário de nossa Senhora como remédio dos males do nosso tempo. Porque não é pela força, nem pelas armas, nem pelo poder humano, mas sim, pelo auxílio alcançado por meio dessa devoção, que a Igreja, munida desta espécie de funda de Davi, consegue impávida afrontar o inimigo infernal, ao qual bem pode dirigir as palavras do pastorzinho adolescente: "Tu vens contra mim de espada, lança e escudo, e eu vou contra ti em nome do Deus dos exércitos...; e saberá toda esta multidão que não é com espada nem com lança que o Senhor salva" (1 Rs 17, 44.49).

10. Por isso desejamos veementemente que todos, veneráveis irmãos, seguindo o vosso exemplo e a vossa exortação, correspondam religiosamente a estas nossas paternais advertências, em união de ânimos e de palavras, no mesmo ardor de caridade. Se males e esforços dos maus aumentam, aumente também e vigore, dia a dia mais, o zelo de todos os bons, os quais devem procurar insistentemente alcançar, da nossa Mãe amantíssima, principalmente por este modo de oração, que lhe é, por certo, tão caro, que para a Igreja e para a sociedade humana alvoreçam, quanto antes, tempos melhores.

As intenções do papa
11. Que ela nos alcance, peçamos-lhe todos, de seu unigênito Filho, como Mãe poderosíssima de Deus, instada pelas preces de tantos filhos, que aqueles que, por infelicidade sua, se afastaram da verdade e da virtude, a elas voltem com alma nova; que os ódios e rivalidades que são fonte de discórdias e misérias de toda a ordem, se apaziguem e harmonizem felizmente; que brilhe auspiciosamente a paz, uma paz verdadeira, justa e sincera para os indivíduos, para as famílias, para os povos e nações; finalmente, que, salvaguardados os direitos da Igreja como é de sacrossanta justiça, aquela força benfazeja que dela brota livremente para os espíritos dos homens, para as classes da sociedade civil, para as artérias do próprio organismo da coisa pública, ajunte em fraterna aliança toda a família das nações e a conduza àquela prosperidade que harmonize, garanta, e conjugue os deveres e os direitos de todos, a ninguém lese, e se afirme, por mútua união de sentir, agir e colaborar, cada vez mais florescente.
Oremos pelos que mais sofrem
12. E não esqueçais, veneráveis irmãos e queridos filhos, ao desfiardes, em prece de novo fervor, as contas do terço de nossa Senhora, não esqueçais, dizemos, os que no cativeiro, nas prisões, nos campos de concentração se encontram infelizmente detidos. Como sabeis, há entre eles membros do venerando episcopado, afastados violentamente das suas sedes precisamente por terem defendido com valentia os sacrossantos direitos de Deus e da Igreja; há filhos, pais e mães de família arrancados para longe do lar doméstico e condenados a levar vida miserável, por terras desconhecidas e sob outros céus e outros climas. Tal como nós amamos a todos esses com afeto particular e os abraçamos com paternal carinho, assim também vós, animados daquela caridade fraterna que deriva da religião cristã e é por ela fomentada, unindo às nossas as vossas preces diante do altar da Virgem Mãe de Deus, os encomendareis ao seu coração maternal. Ela, sem dúvida, com doçura especial, lhes aliviará o sofrer, reavivando-lhes no peito a esperança do prêmio eterno, e não deixará também, como firmemente confiamos, de apressar, quanto antes, o fim de tantas dores.

CONCLUSÃO
Terço pelas intenções do romano pontífice
13. Não duvidando que vós, veneráveis irmãos, com o costumado zelo ardente dareis conhecimento ao vosso clero e ao vosso povo, da maneira que vos parecer mais oportuna, desta nossa paterna exortação, e certos também de que os nossos filhos, esparsos por todas as partes do mundo, corresponderão de bom grado a este nosso convite, em testemunho da nossa gratidão e penhor das graças celestes, a vós todos, ao rebanho confiado a cada um de vós – nomeadamente aos que, durante o mês de outubro em especial, recitarem devotamente o terço pelas nossas intenções -, concedemos com efusão de coração a bênção apostólica.

Dado em Roma, junto a São Pedro, no dia 15 de setembro, festa das sete dores da santíssima virgem Maria, no ano de 1951, XIII do nosso pontificado.

PIO PP. XII


CARTA ENCÍCLICA
FIDENTEM PIUMQUE ANIMUMDE SUA SANTIDADE
LEÃO XIII
A TODOS OS NOSSOS VENERÁVEIS
IRMÃOS, OS PATRIARCAS,
PRIMAZES, ARCEBISPOS
E BISPOS DO ORBE CATÓLICO,
EM GRAÇA E COMUNHÃO
COM A SÉ APOSTÓLICA
SOBRE O ROSÁRIO DE NOSSA SENHORA

Veneráveis Irmãos,

Saúde e Bênção Apostólica.

Devoção do Pontífice para com o Rosário
1. Durante o Nosso Sumo Pontificado freqüentemente temos tido ocasião de dar públicas provas da confiança e da piedade, para com a Santíssima Virgem, que sempre nutrimos desde os mais tenros anos, e que depois nos temos esforçado por alimentar e aumentar em toda a Nossa vida. Incidindo, com efeito, em tempos não menos infaustos para a Igreja do que cheios de perigos para a própria sociedade civil, facilmente havemos compreendido o quanto era útil recomendarmos com máximo calor esse baluarte de salvação e de paz que Deus, na sua grande misericórdia, quis dar à humanidade, na pessoa de sua augusta Mãe, e que depois ele tornou insigne nos fastos da Igreja por uma série ininterrupta de acontecimentos favoráveis.
E os povos católicos têm correspondido aos Nossos votos e às Nossas exortações com múltiplas e pressurosas iniciativas, mas especialmente reavivando a devoção para com o Rosário, com abundante messe de esplêndidos frutos. Mas Nós não nos podemos cansar de exaltar a Mãe de Deus, que é verdadeiramente "digníssima de todo louvor", nem de inculcar um terno amor para com ela, que também é Mãe dos homens, e que é "cheia de misericórdia e cheia de graça". Antes, quanto mais a Nossa alma, fatigada pelas solicitudes apostólicas, sente avizinhar-se a hora da sua partida, tanto mais ardente e confiantemente volve o olhar para aquela que é como a aurora bendita da qual surgiu o dia de uma felicidade e de uma alegria sem ocaso.
Oh! quanto nos consola, Veneráveis Irmãos, a lembrança das Cartas periodicamente escritas para recomendar o Rosário, tão grato àquela a quem se quer honrar, tão útil àqueles que o rezam bem! Mas não é menos caro ao Nosso coração o termos ainda a possibilidade de reafirmar insistentemente o Nosso propósito; mesmo porque, assim fazendo, temos ótima ocasião de exortar paternalmente as mentes e os corações a um sempre maior apego à religião, e de revigorar neles a esperança das imortais recompensas.


As principais condições da oração
2. A forma de oração de que falamos foi chamada com o belo nome de Rosário como que para exprimir, a um tempo, o perfume das rosas e a graça das coroas. Nome que, enquanto é indicadíssimo para significar uma devoção destinada a honrar aquela que justamente é saudada como "Rosa Mística" do Paraíso, e que, cingida de uma coroa de estrelas, é venerada como Rainha do universo, parece também simbolizar o augúrio das alegrias e das grinaldas que Maria oferece aos seus fiéis.
3. E esta asserção aparece ainda mais evidente se se considerar a natureza do Rosário mariano. De feito, nada nos é mais recomendado pelos preceitos e pelos exemplos de Cristo e dos Apóstolos do que a obrigação de invocarmos a Deus e de suplicarmos o seu auxilio. Depois, os Padres e os Doutores da Igreja, por sua parte, nos ensinam que este dever é de tal importância, que quem o descurasse debalde confiaria em alcançar a eterna salvação. Mas, embora quem reza tenha, pela própria virtude da oração e pela promessa de Cristo, a possibilidade ímpar das graças divinas, todavia, como todos sabem, a oração tira a sua maior eficácia principalmente destas duas condições, a saber: da assídua perseverança, e da união de muitos corações na mesma oração.
A primeira condição é claramente posta em evidência pelas amorosas instâncias de Cristo: "Pedi, procurai, batei" (Mt. 7, 7); instâncias que pintam Deus como o mais terno dos pais, o qual quer, sim, acolher os desejos de seus filhos, mas também se alegra de sentir-se por eles longamente rogado, antes como que cansado pelas súplicas deles, para ligar sempre mais estreitamente a si os seus corações. Depois, sobre a outra condição, o próprio Senhor em várias circunstâncias proclamou: "Se dois de vós se puserem juntos na terra para pedir qualquer coisa, eu estarei no meio deles" (Mt 18, 19-20). Ensinamento do qual tirou inspiração aquela vigorosa sentença de Tertuliano: "Reunimo-nos juntos em assembléia e em sociedade como que para tomar de assalto a Deus com as nossas preces; é esta uma forma de violência, porém muito do agrado de Deus" (Tertuliano, Apologet., c. 39). Além disto, é digno de menção, a este propósito, o que escreve o Aquinate: "É impossível que não sejam escutadas as orações de muitos juntos, quando não formam senão uma só oração" (S. Thomas de Aquino, In Evangelium Matthaei, c. 18).
A união e a perseverança na recitação do Rosário
4. Ora, ambas estas condições se acham perfeitamente unidas no Rosário. Nele, com efeito, - para omitirmos outras reflexões - pela nossa repetição das mesmas orações nós demonstramos querer obter do Pai Celeste o seu reino de graça e de glória; e com as nossas reiteradas súplicas à Virgem Mãe imploramos para nós pecadores o seu auxílio e a sua intercessão durante toda a nossa vida e na nossa hora extrema, que é a porta da eternidade. Depois, a própria forma do Rosário presta-se otimamente para a oração em comum; tanto que, com razão, foi ele chamado "Saltério mariano".
Mantenha-se, portanto, com religiosa exatidão, ou se reponha em honra, o uso que tanto floresceu entre os nossos antepassados, quando as famílias cristãs, nas cidades e nos campos, consideravam como um sagrado dever o reunir-se, à noite, depois dos labores do dia, diante de uma imagem da Virgem, para recitar alternativamente o Rosário. E ela se comprazia tanto nesta fiel e concorde homenagem, que, como uma mãe entre a coroa de seus filhos, assistia propícia aqueles seus devotos, e concedia-lhes o dom da paz doméstica, penhor da paz do Céu.
5. E foi justamente refletindo na eficácia desta oração em comum que, entre as Nossas muitas outras disposições sobre o Rosário, explicitamente declaramos "ser Nosso vivo desejo que ele fosse recitado todo os dias nas catedrais das simples Dioceses, e todos os dias de festa nas igrejas paroquiais" (Leão XIII, Carta Apostólica Salutaris Ille, 24 dez. 1883). Observe-se, pois, com solicitude e com constância essa nossa disposição. De resto, vemos com profunda satisfação que a santa prática se divulga e se conjuga com outras públicas manifestações de piedade, como, por exemplo, com as peregrinações aos santuários mais insignes: costume que se afirma sempre mais, com grande comprazimento Nosso.
6. Mas esta união de preces e de louvores marianos apresenta também outros aspectos, que proporcionam muita alegria e muita utilidade às almas. E Nós mesmo - alegra-se-nos o coração ao reavivarmos aqui esta lembrança - tivemos meios de fazer a experiência disso em algumas circunstâncias particulares do Nosso Pontificado: quando, na Basílica Vaticana, estávamos cercados por uma multidão imensa de fiéis de todas as categorias, os quais, unidos a Nós nas intenções, na voz e na meditação dos mistérios do Rosário, suplicavam a poderosíssima Auxiliadora do povo cristão.


O Rosário apresenta-nos Maria como mediadora
7. E quem quererá considerar excessiva e censurar a grande confiança depositada no auxilio e na proteção da Virgem? Todos estão de acordo em admitir que o nome e a função de perfeito Mediador não convém senão a Cristo: porque só Ele, conjuntamente, Deus e Homem, reconciliou o gênero humano com seu sumo Pai: "Um mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus Homem, aquele que a si mesmo se deu como preço de resgate por todos" (1 Tim. 2, 5-6). Mas se, como ensina o Angélico, "nada proíbe que algum outro se chame, sob certos aspectos, mediador entre Deus e os homens, quando dispositiva e ministerialmente coopera para a união do homem com Deus" (S. Thomas de Aquino, 3 q. 26 a. 1), como é o caso dos Anjos, dos Santos, dos profetas e dos sacerdotes do velho e do novo Testamento, sem dúvida alguma tal título de glória convém, em medida ainda maior, à Virgem excelsa.
Com efeito, é impossível imaginar outra criatura que tenha realizado ou esteja para realizar uma obra semelhante à dela, na reconciliação dos homens com Deus. Foi ela que, para os homens fadados à eterna ruína, gerou o Salvador; quando, ao anúncio do mistério de paz trazido à terra pelo Anjo, ela deu o seu admirável assentimento, "em nome de todo o gênero humano" (S. Thomas de Aquino, 3 q. 30 a. 1). Ela é aquela "da qual nasceu Jesus", sua verdadeira Mãe, e por isto digna e agradabilíssima "Mediadora junto ao Mediador”.
8. Como estes mistérios são sucessivamente propostos, no Rosário, à meditação dos fiéis, segue-se que esta oração põe em evidencia os méritos de Maria na obra da nossa reconciliação e da nossa salvação. Ninguém - assim pensamos pode subtrair-se a uma suave emoção ao contemplar a Virgem, ou quando visita a casa de Isabel para lhe dispensar os divinos carismas, ou quando apresenta seu filho pequenino aos pastores, aos reis, a Simeão. E que não sentirá a alma fiel quando refletir que o Sangue de Cristo, derramado por nós, e os membros nos quais ele mostra ao Pai as feridas recebidas "como penhor da nossa liberdade", não são outra coisa senão carne e sangue da Virgem? E, na realidade: "A carne de Jesus é carne de Maria; e, embora sublimada pela glória de ressurreição, todavia a natureza dessa carne permaneceu e permanece a mesma que foi tomada de Maria" (De Assumptione B. M. V., c. V, inter operas S. Augustini, PL, XL, Incerti Auctoris ac Pii, col. 1141-1145).

O Rosário fortifica a nossa fé
9. Mas, como de outra vez lembramos, o Rosário produz outro fruto notável, adequado às necessidades dos nossos tempos. É este: que, numa época em que a virtude da fé em Deus está cada dia exposta a tão graves perigos e assaltos, o cristão acha no Rosário meios abundantes para alimentá-la e reforçá-la.
10. As Sagradas Escrituras chamam a Cristo "condutor e aperfeiçoador da fé" (Heb. 12, 2). "Condutor", porque ensinou aos homens grande número de verdades que eles devem crer, especialmente as que dizem respeito a "Aquele em quem "habita toda a plenitude da Divindade" (Col. 2, 9); e, ademais, porque, com a graça e como que com a unção do Espírito Santo, concede generosamente o dom da fé. "Aperfeiçoador", porque no Céu, onde converterá o hábito da fé na clareza da glória, Ele tornará evidentes aquelas coisas que os homens, na vida mortal, perceberam como através de um véu. Ora, todos sabem que, na prática do Rosário, Cristo tem esse lugar de proeminência que lhe compete. De fato, é a sua vida que nós contemplamos na meditação: a privada, nos mistérios gozosos; a pública, em meio aos graves incômodos e a padecimentos mortais; a gloriosa, enfim, que da sua triunfal ressurreição chega até à eternidade d'Ele, sentado à destra do Pai.
E, como é necessário que a fé, para ser digna e perfeita, se manifeste exteriormente, "pois que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz a profissão para a salvação" (Rom. 10, 10), no Rosário achamos também excelente meio para professarmos a nossa fé. E, realmente, com as orações vocais de que ele se tece, podemos exprimir a nossa fé em Deus, nosso Pai providentíssimo, na vida futura, na remissão dos pecados, nos mistérios da augusta Trindade, do Verbo encarnado, da maternidade divina, e em outras verdades ainda. Ora, ninguém ignora o quanto é grande o valor e o, mérito da fé: semente seletíssima que hoje faz desabrochar as flores de todas as virtudes que nos tornam agradáveis a Deus, e que um dia produzirá frutos que durarão eternamente: "O conhecer a ti é perfeita justiça, e o saber a tua justiça e poder é raiz de imortalidade" (Sab. 15, 3).

O Rosário dá-nos lições de penitência 
11. E aqui afigura-se oportuno um chamamento aos deveres das virtudes que a fé justamente impõe. Entre estas, por mais de um motivo é obrigatória e salutar a virtude da penitência, da qual é uma manifestação a "abstinência". Se a Igreja mostra, sobre este ponto, sempre maior brandura para com seus filhos, é entretanto dever destes compensar com outras obras meritórias a sua maternal indulgência. Ora, também para tal fim apraz-nos, em primeiro lugar, inculcar a prática do Rosário, que pode produzir "bons frutos de penitência", especialmente pela meditação dos sofrimentos de Jesus e de sua Mãe Santíssima.

Facilidade e preciosidade do Rosário
12. Aqueles, pois, que se esforçam por atingir o seu bem supremo, um admirável desígnio da Providência ofereceu o auxílio do Rosário: auxilio mais fácil e mais prático do que qualquer outro. Porque basta um conhecimento, mesmo modesto, da religião, para se aprender a rezar com fruto o Rosário; e, por outro lado, isso requer tão pouco tempo, que na realidade não pode acarretar prejuízo a outros afazeres. Além de que isto é confirmado por oportunos e luminosos exemplos da história da Igreja; onde se lê que em todos os tempos houve pessoas que, conquanto desempenhassem ofícios muito pesados, ou fossem absorvidas por fatigantes ocupações, todavia nem sequer por um só dia relaxaram este piedoso costume.
13. Isto se explica por esse íntimo sentimento de piedade que transporta as almas para esta sagrada coroa, até a amá-la ternamente e a considerá-la como a companheira inseparável e fiel amparo da sua vida. Apertando-a entre os dedos nas supremas agonias, eles estão mais seguros de ter em mão um penhor da "imarcescível coroa de glória". Tal esperança é, depois, grandemente reforçada pelos tesouros "das indulgências" com que o Rosário foi enriquecido na mais larga medida pelos Nossos Predecessores e por Nós mesmo; contanto que, entende-se, delas se tenha devida estima. Não há dúvida que essas indulgências, como que dispensadas pelas mãos da Virgem misericordiosa, ajudam muito os moribundos e os defuntos, apressando para eles as alegrias da suspirada paz e da luz eterna.

Para o retorno dos dissidentes
14. Eis aí, ó Veneráveis Irmãos, os motivos que nos impelem a não desistir de louvar e de recomendar aos católicos uma forma tão excelente de piedade, uma devoção tão útil para chegar ao porto da salvação. Mas a isto somos movidos também por outra razão de extraordinária importância sobre a qual já muitas vezes temos manifestado o nosso pensamento em Cartas e Alocuções, como seja:
15. Sentindo-nos cada dia mais fortemente estimulado e impelido á obra pelo ardente desejo - em nós ateado pelo sacratíssimo Coração de Jesus - de favorecei a reconciliação dos dissidentes, compreende que esta admirável unidade não pode ser mais bem preparada e realizada do que em virtude da oração. Temos presente ao Nosso espírito o exemplo de Cristo, que suplicou longamente seu Pai para que os seguidores da sua doutrina fossem "uma coisa só" na fé e na caridade. Depois disso, que a prece da Virgem também seja eficacíssima para este fim, disto temos uma prova eloqüente na história apostólica. Aquela página que, enquanto nos apresenta a primeira reunião dos Discípulos, em suplicante espera da prometida efusão do Espírito Santo, faz especial menção de Maria, em oração com eles: "Todos eles perseveravam unânimes na oração com Maria, Mãe de Jesus" (At 1, 14).
Portanto, assim como a Igreja nascente justamente se uniu na oração a ela - a mais nobre fautora e guardiã da unidade, - o mais possível oportuno é que outro tanto façam, nos nossos dias, os católicos; especialmente durante o mês de Outubro, que Nós, já de longa data, temos querido dedicado e consagrado à divina Mãe, com a recitação solene do Rosário, para implorar o auxílio dela nas presentes angústias da Igreja. Acenda-se, pois, por toda parte o ardor por esta oração, com a finalidade precípua de alcançar a santa unidade. Nada poderá ser mais suave e mais grato a Maria. Unida intimamente a Cristo, ela deseja sobretudo e quer que aqueles que receberam o dom do mesmo batismo, por Ele instituído, estejam também unidos, por uma mesma fé e por uma perfeita caridade, com Cristo e entre si mesmos.
16. Que, mediante o Rosário, os mistérios augustos desta fé penetrem tão profundamente nas almas, que nós possamos - queira-o Deus! -"imitar aquilo que eles contêm, e alcançar o que prometem !" Entrementes, em auspício dos divinos favores, e em atestado do Nosso afeto, concedemos de grande coração a cada um de vós, ao vosso clero e ao vosso povo a Bênção Apostólica.
Dado em Roma, junto a S. Pedro, a 20 de Setembro de 1896, décimo nono ano do Nosso Pontificado.

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